Gc166
O Código Florestal tem antecedentes em 1901 e 1912 por iniciativas,
que não prosperaram, dos chefes da Seção Botânica
da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo,
Alberto Löfgren e Edmundo Navarro de Andrade. Em 1934 foi promulgado
o primeiro Código Florestal. O atual é de 1965 (Lei 4.771de
15/09/65), com alterações (Guillomon, Instituto Florestal,
outubro de 2000, via Internet). Cria Áreas de Preservação
Permanente nas margens de rios e topos de montanhas. A APP marginal tem
largura vinculada à do rio, de 30 a 500 metros. A de topo ocupa faixa
situada do nível correspondente a 2/3 da altura da encosta até
o topo. A faixa intermediária com declividade acima de 100% é
também APP.
Os dispositivos de demarcação do Código correspondem a um vale com elementos imprecisos nas extensas planícies ou planaltos. Aí, se o rio é estreito, a APP fica insignificante, e se 2/3 do desnível ocorrem próximo ao leito, todo o terreno seria incluído. O fundamento para estabelecer faixas marginais como APP vincula-se à necessidade de proteção dos rios. Vejo aí dois problemas técnicos, o primeiro de lógica e o segundo de contexto. Não faz sentido estabelecer a largura da faixa crescente com a do rio, mas com a da encosta em planta, que determina o risco de impactar o leito. (Quanto mais largo o rio, em geral menos vulnerável) A questão de contexto é: Nas regiões montanhosas, as faixas marginais podem ser as únicas áreas planas disponíveis. Olhem-se os rios Doce, Paraíba e afluentes. Se, sem prejuízo da mata ciliar, fosse permitida a exploração dessa faixa em culturas naturais, o controle do problema restante, de erosão, seria fácil. Em contrapartida, na encosta, poderia ser vedada para cultura anual toda área de declividade maior que 50%. Quanto ao topo, embora se alegue que a APP visa a facilitar a infiltração, proteção de fauna, etc., este argumento não convence, pois qualquer proprietário consciente de suas responsabilidades, tendo um topo cultivável conformado a uma área plana ou abaulada, pode reter cada gota de chuva nesse topo, usando-a para suprimento próprio. Na encosta é que fica difícil e por ter sido liberada de forma temerária, nela se instalou catastrófico processo erosivo, que só não se pode atribuir exclusivamente à lei porque milhares de grandes voçorocas já estavam aí instaladas em 1934 e não serviram de aviso à nação distraída.
Refletindo sobre as origens da opção (repassando história, Mestra da Vida, quando se deseja aprender com ela), a exclusão do topo foi jogada de pragmatismo, para neutralizar a contrariedade do campo, então poderoso em votos e capitais, aproveitando que, em 1934 ou até 1965, ele estava desocupado pelas carências de acesso, água e energia. A Lei não “pegou” nas faixas marginais de regiões montanhosas porque eram as únicas áreas planas disponíveis e a encosta foi exaurida com feijão, milho, cana, café, gado até ficar reduzida a um saprólito infértil (a principal espécie em extinção é o solo) . A exiguidade de áreas preservadas carrega deficiências adicionais: fragmentação das matas de topo e inexistência de água: assim como fica a privacidade da onça – onde é que, para usar expressão popular, ela beberá água, sem alertar a cachorrada? Quanto ao olho d’água, toda voçoroca cria um ou mais. A lei proíbe a medida técnica mais necessária para a reabilitação da área – soterramento tecnicamente conduzido.
Mesmo não apoiada em base técnica consistente, a Lei passou a ser um fim, indiscutível como dogma religioso, quando indiscutível é seu objetivo. Lei sem base técnica não gera progresso, mas conflito. Isto vem do fato de a matéria ambiental neste princípio de século não contar ainda com base epistemológica firme, como bem acentua o geólogo Geraldo Rohde (Epistemologia Ambiental, EDIPUCRS).
Se está errado,
qual a proposta? Substituir a lei atual, instrumento de gestão autoritário,
árido e estagnante, por lei inflexível quanto aos resultados,
mas flexível quanto aos meios de alcançá-los, estimulando
os profissionais a verem sua terra como algo a pesquisar para compreender
e sobre ela exercer sua criatividade. A lei que os graduou é maior
que qualquer outra e ela os graduou para o exercício do mais importante
compromisso ético do profissional – pensar.
Belo Horizonte, 06 de agosto de 2003
Edézio
Teixeira de Carvalho
Geólogo
Telfax (31) 3262 2722; 3221 0325;
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