A Serra da Mantiqueira é uma das
mais importantes cadeias de montanha do sudeste brasileiro. Grande parte
de seu território está legalmente protegida pelo Decreto (no 91.304/85),
que dispõe sobre a implantação da APA. O Art. 2o deste decreto
dispõe que a APA "além de garantir a conservação do conjunto paisagístico
e da cultura regional, tem por objetivo proteger e preservar:
a) parte de uma das maiores
cadeias montanhosas do sudeste brasileiro;
b) a flora endêmica e
andina;
c) os remanescentes dos bosques de araucária;
d) a
continuidade da cobertura vegetal do espigão central e das manchas de
vegetação primitiva;
e) a vida selvagem, principalmente as espécies
ameaçadas de extinção."
A elaboração de instrumentos como
o plano de manejo é necessária para tornar efetiva a implantação de uma
unidade de conservação. O "Projeto de Ecodesenvolvimento do Maciço
do Itatiaia", elaborado em 1988, foi a primeira iniciativa nesse sentido,
mas não obteve os recursos necessários para sua implantação.
Posteriormente, em 1991, a Frente de Defesa da Mantiqueira (FEDAPAM)
publicou o Relatório Mantiqueira, no qual ressalta-se a necessidade de
elaboração e implantação do zoneamento da APA. No entanto, 15 anos
após o decreto de implantação da APA, ainda não foi realizado o plano de
manejo e respectivo zoneamento da mesma.
Visando reverter o processo de
degradação da APA da Mantiqueira, desde 1999 as ONGs Crescente Fértil,
Fundação Matutu, Instituto Ideas, Partnershaft Mirantao, Instituto Brasil
de Educação Ambiental, Centros Comunitários de Colina e Campo Redondo, SOS
Mata Atlântica e Fundação Luterana de Diaconia, entre outras instituições,
se uniram para implementar uma série de projetos de ecodesenvolvimento.
Tais projetos, articulados entre si, compõem o Programa
Mantiqueira.
Área
Geográfica
A APA se localiza entre as três
maiores cidades do país - Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte -
englobando uma área total de cerca de 400.000 ha. Apresenta remanescentes
florestais com alto grau de conectividade e está entre as Unidades de
Conservação que integram o corredor sul da Mata Atlântica, onde estão
concentradas as áreas contínuas de remanescentes florestais desse
bioma. O Parque Nacional do Itatiaia (PNI), situado na face sul da
APA, é o primeiro Parque Nacional criado no Brasil, em 1937.
Possuindo uma área de quase 30.000 ha, o PNI representa uma importante
matriz de espécies raras e endêmicas.
No Rio de Janeiro, os municípios
englobados pela APA apresentam altos índices de urbanização e economia
diversificada com significativa presença de indústrias. Já a região
Sul de Minas caracteriza-se por uma realidade predominantemente rural, com
economia pouco diversificada e padrões de renda relativamente
baixos.
Na APA coexistem diferentes
culturas, como: descendentes dos índios Puris e Botocudos, imigrantes
europeus (em especial alemães), mineiros de tradição católica, cidadãos
urbanos em busca de vida alternativa ao consumismo convencional, grupos
espiritualistas e empresários de turismo. Seu patrimônio natural e
cultural, mesmo com os processos de degradação em curso, é notável,
abrigando peculiaridades cada vez mais raras no contexto regional do
sudeste brasileiro.
Biodiversidade e recursos hídricos
A variedade de habitats, assim
como a variação altitudinal, são indicativos da riqueza de espécies da
Serra da Mantiqueira. Somente no PNI são registradas 150 espécies
vegetais endêmicas ao maciço do Itatiaia. Da mesma forma, a fauna da
Serra da Mantiqueira é muito variada. Estima-se que mais de 100 mil
espécies de insetos e 300 espécies de aves vivam regularmente no
PNI.
A Serra da Mantiqueira é o habitat
natural de 25% das espécies listadas no "Livro Vermelho das Espécies
Ameaçadas de Extinção da Fauna de Minas Gerais" indicando que nela ocorrem
pelo menos 22 espécies de aves e 11 de mamíferos ameaçados de extinção
(Tabela 1). Apesar dos demais grupos serem menos estudados, sabe-se
que o endemismo de anfíbios das regiões serranas do Complexo Mantiqueira é
notável e que existem espécies de insetos altamente endêmicas também
ameaçadas de extinção.
Entre os mamíferos ameaçados de
extinção que habitam a Mantiqueira encontram-se primatas, carnívoros e
ungulados. Das quatro espécies de primatas, três são endêmicas da
Mata Atlântica sendo que uma delas, o sagui-da-serra-escura
(Callithrix aurita), ocorre apenas em florestas de
altitudes. Tanto o sagui-da-serra-escura como o mono-carvoeiro
(Bracyteles arachnoides) estão em perigo de extinção em nível
mundial. Apesar da precariedade de estudos específicos, a onça
pintada (Phantera onca) tem sido apontada como animal já extinto
na APA, apesar de notícias de avistamentos esporádicos.
Pelo menos três espécies de
falconiformes que ocorrem na Mantiqueira encontram-se ameaçadas de
extinção: o gavião-pega-macacao (Spizaetus tyrannus), o
gavião-pomba (Leucopternis lacernulata) e a harpia (Harpia
harpya). Apesar de ter sido classificada como "provavelmente
extinta" em 1995, acredita-se que a última ainda ocorra na APA. A
ocorrência desses falconiformes está associada a áreas extensas e
contínuas em sua cobertura florestal.
Entre as demais espécies de aves
listadas, algumas são endêmicas da Mata Atlântica e restritas a regiões
serranas, como o cuiu-cuiu, a trovoada-da-serra e o
tropeiro-da-serra. Outras, como o papagaio-do-peito-roxo
(Amazona vinaceae, Pscitacidae) e a pomba-de-espelho
(Claravis godefrida, Columbidae) encontram-se ameaçadas de
extinção em nível mundial. A tesourinha (Phibalura flvirostris,
Tyranidae) é uma ave de hábitos migratórios, ocorrendo localmente na
bolívia, nordeste do Paraguai, Argentina e Brasil. Além da
tesourinha, outras aves migratórias também encontram, na Serra da
Mantiqueira, sítios de pouso e alimentação, segundo a Associação
Pró-Parque Nacional do Itatiaia (APROPANI).
Além da importância dos seus
remanescentes florestais e fauna associada, a Serra da Mantiqueira é
prioritária para conservação devido aos seus recursos hídricos e à
fragilidade do solo que apresenta. A região abriga as nascentes que
abastecem as principais bacias da região sudeste: Paraíba do Sul e
Paraná. Na APA são formados os rios Preto, Piratininga, Alambari,
das Pedras, Maromba, Campo Belo e do Salto, que abastecem a bacia do rio
Paraíba do Sul; e os rios Verde, Gamarra, Aiuruoca e Grande, afluentes do
rio Paraná, principal formador do Rio da Prata, divisa entre Brasil e
Argentina.
PRINCIPAIS
AMEAÇAS
A estratégica localização da APA,
sua grande beleza cênica e seu potencial turístico, atraíram muitos
habitantes e empreendimentos turísticos para as pequenas e tradicionais
comunidades rurais lá existentes. Devido à ausência de planos de
zoneamento econômico-ecológico e à falta de estrutura para uma gestão
sustentável da APA, esse processo vem ocorrendo de forma desordenada,
gerando sérios impactos ambientais e sociais - como o desmatamento e a
poluição hídrica - que afetam a biodiversidade e a qualidade de vida da
população.
Paralelamente a esse processo, a
pecuária extensiva tradicional ocupa áreas impróprias - margens de rio e
encostas de alta declividade - e tem as queimadas anuais como prática
rotineira. Incêndios florestais, inclusive no interior do PNI, são
comuns durante a estação seca, provocando a constante redução dos
remanescentes florestais da APA.
Uma das conseqüências do mau uso
do solo e da ocupação desordenada é a degradação e fragmentação de
habitats, em particular florestas. Os animais mais sensíveis e
aqueles usualmente mais caçados estão tendo suas populações
reduzidas. Aí se incluem importantes predadores - como a onça parda,
a lontra e os falconiformes - e dispersores de sementes - como a jacutinga
e os bandos de queixada, entre outros.
A ocupação desordenada afeta,
igualmente, os recursos hídricos da região. Visconde de Mauá, por
exemplo, nas divisas dos estados de RJ e MG, já não possui condições de
balneabilidade em diversos trechos do rio Preto. Isso se deve à
presença de esgoto doméstico lançado in natura ou inadequadamente
tratado. Além de afetar as comunidades residentes da APA, a poluição
hídrica tem impacto negativo sobre a fauna local, contribuindo para
reduzir os números populacionais de lontras, libélulas e anfíbios, entre
outros.
A maioria das escolas rurais da
APA não possui programas dirigidos para as peculiaridades ambientais da
região. A ausência de formação dos educadores e lideranças sobre
questões ambientais tem limitado a participação da população residente da
APA nas ações conservacionistas. A reduzida estrutura de gestão e
precária fiscalização contrastam com a enorme extensão da APA -
fundamental para garantir a conexão entre os remanescentes florestais e
ecossistemas associados. Portanto, a principal ameaça à conservação
da biodiversidade da APA e de seus recursos hídricos tem origem
principalmente na omissão do poder público no cumprimento de suas funções,
aliada à pouca conscientização da população local acerca dos graves
problemas ambientais e suas
conseqüências.