Seminário de Mobilização para os Ecossistemas de MontanhaAno Internacional das MontanhasAgenda 21, Capítulo 13Links da Montanha


Relatos do "II Encontro de
Populações de Montanhas do Mundo"
Quito, Ecuador, outubro/2002

Relatos enviados ao Fórum Montanhas Brasil,
escritos por Isabel de Andrade Pinto, desde Quito

Olá Pessoal!

Hoje estamos começando o terceiro dia do encontro aqui em Quito e só agora me vem as palavras para descrever-lhes como ocorrem as coisas aqui:

Somos em torno de 450 participantes de todos os continentes... as presenças mais marcantes são as dos indígenas de América latina e povos das montanhas asiáticas... a delegação francesa também é enorme, pois o encontro é organizado por eles. Nos primeiros momentos do encontro houve muitos discursos, palavras... apresentações das delegações, seus problemas (sempre muito similares aos que existem nas montanhas brasileiras) e suas belezas.

Por trás das palavras, uma tensão latente entre os povos de montanha latinos, africanos e asiáticos e os montanheses europeus (norte américa nem de leve passou por aqui). O questionamento da globalização como uma nova roupa para a tradição colonizadora e a
reafirmação da tradição milenar e identidade dos povos das montanhas.

Ontem a noite, no pequeno jantar ao ar livre apos as atividades do dia, os bolivianos começaram a tocar e dançar... a eles logo nos juntamos os brasileiros, italianos, equatorianos, colombianos... mais um pouquinho e se aproximaram os indianos com um tamborzinho e em pouco tempo o jardim se havia transformado em um lugar de magia e energia, todas as danças, todas as línguas... palmas, mãos e pés.

Para mim, o encontro começou naquele momento com a certeza de que não importa raça, cultura, país... somos todos gente, é aí donde nos reconhecemos, fortalecemos e crescemos.

São esses momentos de encontro, como é o nosso encontro brasileiro, que me fazem acreditar num mundo melhor, mais solidário e mais humano.

Um grande abraço,

Isabel

* O Encontro e as gentes *

Irmãos das Montanhas,

Depois de dias intensos no Equador... aproveito o momento para contar-lhes um pouco mais sobre o encontro de Quito:

O "2º Encontro Mundial de Populações de Montanhas" foi organizado pela Associação Mundial de Populações de Montanhas (APMM) que nasceu na França, no ano passado, onde se realizou o "Primeiro Encontro Mundial de Populações de Montanhas".  A APMM nasceu com o objetivo de ressaltar, na execução do capítulo XIII da Agenda 21, a importância das pessoas que vivem nas montanhas para a conservação desses ecossistemas.  Ou seja, considera que as montanhas são mais que ecossistemas frágeis, são lugares onde vive gente.

O Encontro em Quito tinha a função de legitimar a APMM tornando-a cada vez mais inclusiva com relação aos povos de montanha.  Os organizadores do encontro tiveram muito trabalho para reunir tanta gente... e, para mim, aí estava um pequeno espelho do mundo e do grande desafio que é conseguir um diálogo universal.

Fiquei muito impressionada com a força e organização dos indígenas latino-americanos.  A delegação Boliviana distribuiu folhas de coca na plenária... explicando: "Se mazca en momentos especiales, espirituales o para facilitar la comunicación entre las personas.  Momentos como ese."

Me impressionaram também as dificuldades pelas quais passa esse lindo povo: as delegadas bolivianas ressaltaram os problemas de falta de água "nos dicen sucias a las índias pero la verdad es que no tenemos água para bañarnos". Os indígenas da bolívia lutam pela posse e direito de gestão do "Qullasuyu", território original de seus antepassados... hoje também chamado Bolívia.

Os delegados colombianos denunciaram a fumigação de plantações de coca que "no solamente matan al ser humano pero a toda una vida".  Segundo eles "el futuro para los indígenas es mantener nuestra madre naturaleza sana".  E o delegado do Perú, que falava em quechua... transparecia em suas falas o que é realmente estar conectado à natureza... la "Pachamama".

O rei africano que estava presente representando seu país me enterneceu ao solicitar ajuda para cercar as florestas do lugar onde vive... só queria cuidá-las.

Já os hindus mostraram uma sabedoria serena... baseada na profunda espiritualidade de seu povo... mas mostraram também que sabem questionar, ao questionar por exemplo "por que neste encontro não há tradução para a minha língua? somente podem participar os de meu povo que falam inglês? Inicialmente se chamou de desenvolvimento, depois passou a se dizer desenvolvimento sustentável e agora chamamos desenvolvimento sustentável de montanhas..."

O próprio encontro acabava sendo um reflexo das relações de poder entre norte e sul... pouco espaço para as pessoas se expressarem... conflitos entre os organizadores e os participantes.  Na noite do terceiro dia, havia um mal estar e descontentamento geral... que foi sabiamente transformado durante a sexta-feira, na qual toda a manhã foi dedicada às pessoas, onde todos puderam se expressar e muitos nem saíram para tomar café... foi o momento do diálogo universal, moderado por Jean Lassalle (agora o atual presidente da APMM).

Os últimos momentos do encontro foram dedicados a eleição dos comitês continentais da APMM, cada um com 5 representantes.  Aí eu, que já andava cheia de preconceitos contra os europeus, me surpreendi recebendo deles uma lição de cidadania.  Eles sabem como se colocar: questionaram a falta de representantes dos países germânicos no comitê europeu (os franceses ainda são maioria na APMM).  E adorei, vibrei, quando uma mulher se levantou e disse "como uma mulher européia de montanhas não me sinto representada por um comitê composto por 5 homens".  O resultado foi a inclusão de uma das participantes no comitê.

A América Latina também se mostrou organizada, pois já havia escolhido 2 representantes por país para formar o comitê continental e desses, os 5 que representarão o continente na APMM.  Graças a nossa participação, o Brasil acabou sendo incluído no comitê que mudou de andino para latino-americano...
O Felipe e eu assumimos a representação do país de forma provisória... só até que nos organizemos e escolhamos quem nos representa (espero que seja logo!!!!!).

Um grande beijo,

Isabel

As comunidades andinas e a representação brasileira:
aprendendo com o exemplo

Oi pessoal,

Muitas das comunidades de montanhas andinas são compostas pelo povo indígena descendente das civilizações pré-colombianas.  São comunidades organizadas, onde se ouve muito e se fala pouco, ordenadamente e com toda atenção dos ouvintes.

Visitamos duas comunidades dos altos das montanhas de Cayembe, uma cidade equatoriana a qual se chega após duas horas de ônibus desde Quito e que tem esse nome pelo lindo vulcão nevado que se vislumbra de todos os lados, caso as nuvens permitam.

Nessa região, não se vê uma floresta nos altos (~3000 m de altitude), está tudo, tudo ocupado.... as pequenas propriedades apresentam espaçamento mas ocupam toda a paisagem.  Lá, o problema da água é o grande fator limitante.

Desde 1983, técnicos de ONGs locais se uniram aos líderes comunitários para buscarem soluções participativas na questão da utilização da água.  Em primeiro lugar, enfrentaram um longo processo judicial para adquirir o direito de gestão comunitária da água que era anteriormente distribuída pelo governo equatoriano.  Esse foi o gancho que uniu as diferentes comunidades... e até hoje, os líderes comunitários chegam dos diferentes pontos da montanha, todos os sábados, para a assembléia.

Uma vez reconhecido esse direito de gestão...se iniciou o processo de como seria essa gestão.  Tudo tem sido decidido de forma participativa.  A água é captada em umas "piscinas" que tem marcador colorido de volume para aqueles que não sabem ler.  Das piscinas partem os canais de irrigação que são uma tecnologia vinda dos incas.  A água se distribui por famílias e indivíduos... uma quantidade x de litros semanais é distribuída de acordo com o direito adquirido através do trabalho.  Na distribuição, se ignora o tamanho ou o número de propriedades de cada um e desta forma conseguiram tornar iguais os campesinos e os donos de "haciendas".

A principal produção local é a batata, que não está livre da utilização de agrotóxicos, uma nova batalha que eles têm que vencer...

Durante a visita, conheci a Manolito e Kleber, de 7 e 9 anos.  Estavam "pastando a las ovejas", atividade que realizam todos os dias durante 4 horas, brincando com os carneirinhos como animais de estimação.  Na saída, recebi um abraço inesquecível desses pequenos equatorianos.

Saímos de lá pensando em como são abundantes as montanhas brasileiras. Temos muito de tudo, muita água, muita floresta... talvez por isso ainda não estejamos tão organizados.  E é por isso que a representação que assumimos só poderia ser provisória.  Porque para ser real e ter legitimidade a representação tem que ser o reflexo de uma base organizada.

Aqui no Brasil, o processo de mobilização pelas montanhas apenas começou...temos muito trabalho pela frente mas temos também uma grande abundância de pessoas, corações e criatividade.  Portanto, vamos ao trabalho para resolver a questão:  "Como fazer esse movimento do AIM chegar até nossa gente de montanha?"

Um grande abraço para todos,

Isabel

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